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Segue abaixo uma agenda de trabalho que mostra como é a semana de um mangáka (desenhista de mangá) da revista semanal japonesa Shounen Jump.
O artista em questão é o Hiroshi Shiibashi, autor de Nurarihyon no Mago. Seu desenho é um dos mais detalhistas e caprichados que já passou pela Jump, e por isso ele precisa trabalhar tanto! Trata-se de um workaholic assumido, mas mostra até que ponto um mangáka precisa "dar o sangue" pelo seu emprego.
Por força de contrato, um mangáka precisa desenhar de 25 a 30 páginas por semana em média , mais ilustrações avulsas e algumas páginas coloridas eventuais. Examine-a com atenção e depois dela continuamos esta conversa. Tenho certeza que muitos fãs e principalmente desenhistas amadores, que sonham em "desenhar mangá no Japão", ficarão chocados! Eu a traduzi para melhor entendimento de todos. E por favor, quem for utilizá-la em trabalhos escolares ou em outros sites/blogs, que faça a gentileza de citar de onde retirou esta versão traduzida!
Depois de analisar bem esta planilha, alguém aí ainda alimenta a ilusão de que desenhar no Japão é "moleza" e que vai "ficar rico e famoso"? Notou que o
mangáka trabalha como um cavalo de segunda a segunda, sem um único dia de descanso e tem apenas três horas de lazer por semana? Este ritmo de trabalho intenso, que aqui no Brasil seria considerado escravidão, é a rotina de vários mangákas no Japão! Porque ao contrário do que muitos fãs e desenhistas amadores pensam, desenhar uma média de 25 páginas por semana é trampo bagarai! Não sei quem foi o imbecil que começou isso, mas aqui no Brasil se convencionou dizer e achar "desenhar uma coisa fácil" ou "desenhar é brincadeira". Notícia para vocês, desinformados: desenhar não é nada fácil e muito menos rápido! Cada detalhezinho que se vê numa página de quadrinhos toma tempo para ser feito, e exige atenção e concentração do desenhista - e para se conseguir um bom resultado, desenhar "rápido" está fora de cogitação.
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Toriyama Akira estava proibido de viajar de avião enquanto desenhou Dragon Ball |
Os ganhos dos mangákas são altos, é verdade, mas como vocês devem ter notado, não resta muito tempo para desfrutar do dinheiro e "fama" que conquistam a duras penas. Ele é, literalmente, um prisioneiro de seu próprio sucesso. Não é à toa que vez ou outra temos notícias de mangákas que pararam de publicar por "problemas de saúde" como
Takahashi Rumiko (Ramna 1/2 e Inuyasha) que teve ulcera estomacal, ou
Mokona Apapa do grupo CLAMP, que está afastada há quase um ano por problemas na coluna... Mesmo em seus momentos de lazer, os mangákas não deixam de ser controlados.
Toriyama Akira (Dragon Ball) por exemplo, na época que desenhava as lutas épicas de Goku, era proibido de viajar de avião em seu contrato editorial! Afinal, a editora
Shueisha não podia arriscar de forma alguma perder a sua "galinha dos ovos de ouro".
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Mokona Apapa (a de kimono) do grupo CLAMP está afastada desde o ano passado para cuidar de um problema de coluna, causado por trabalho excessivo. |
E agora, uma dose de realidade cruel para os que ainda acham que vão conseguir desenhar no Japão facinho: as chances são mínimas, minimas mesmo, por um motivo bem simples - há centenas de milhares de desenhistas amadores de mangá no Japão! Eles tem tantos aspirantes a mangákas quanto temos de aspirantes a jogador de futebol no Brasil! Enquanto lá todos assistem desenho animado "de olho grande" antes de aprender a ler, aqui no Brasil temos crianças chutando bola assim que aprendem a andar! Então, a chance de um brasileiro se tornar um mangáka de renome é tão pequena quanto a de um japonês vir a jogar futebol num time de primeira linha no Brasil. Aliás, já viu algum japonês nos grandes times daqui? E algum mangáka brasileiro nas maiores revistas semanais, você viu? Deu para entender, né? Mas note,
eu não disse que é impossível se tornar um mangáka no Japão, mas garanto que é muito, muito, mas muito difícil! E mesmo que consiga passar na rigorosa seleção, você garante que consegue aguentar o ritmo de trabalho apresentado na planilha aí em cima?
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A série Bakuman, apesar de romanceada, mostra muito da cruel realidade de ser um mangaká no Japão! |
E desenhar mangá no Brasil é mais difícil ainda! Primeiro porque as chances praticamente acabaram depois que os mangás do Japão chegaram aos montes em nossas bancas de jornais - é muito mais barato e seguro uma editora brasileira investir num mangá de sucesso (e com seu próprio desenho animado) do que num artista com sua série totalmente desconhecida, por mais bem que ele desenhe! Além do baixo pagamento, as poucas oportunidades que surgem exigem dedicação e capricho para poderem ficar à altura de uma série de mangá "made in Japan". Aqui no Brasil, um quadrinista para desenhar 25 páginas demora em média um mês - quatro vezes menos que um mangáka japonês! E conheço vários desenhistas que reclamam de cansaço quando entregam o serviço!
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Erica Awano desenhou toda a série Holy Avenger num ritmo impressionante! |
Um exemplo de raro profissionalismo que acompanhei bem de perto aqui no Brasil:
Érica Awano, que desenhou 40 edições + 2 especiais da série
Holy Avenger, produzia exatas 20 páginas de quadrinhos por mês, mais a ilustração de capa - tudo desenhado e arte-finalizado a nanquim de próprio punho, seguindo os lay-outs preparados pelo
Marcelo Cassaro, criador e roteirista da série. Durante os anos de produção, a Érica só atrasou a entrega de uma edição! Mas para cumprir os prazos, ela trabalhava de segunda a sábado num ritmo de 12 horas por dia ou mais! E nas raras vezes que saía conosco para se divertir (sempre frequentamos a mesma roda de amigos desde os tempos da ORCADE), quando íamos jogar boliche, ela apenas ficava olhando os pinos serem derrubados. A Erica me explicou na época que se arremessasse aquelas bolas pesadas, sua mão ficaria inútil para desenhar por "dois ou três dias" devido ao esforço dos músculos da mão - algo similar ao cansaço de atletas depois de uma maratona. Ou seja, ela precisava até mesmo selecionar suas formas de diversão para não prejudicar seu trabalho!
Portanto desenhistas amadores ou fãs que sonham ser mangákas aqui ou no Nihon, achando que é um serviço "mole" e que vai lhe dar fama e fortuna de bandeja: tirem seus cavalinhos da chuva, porque não é assim que a banda toca! Trata-se de um serviço como qualquer outro, que só compensa aos que se esforçam e se empenham! Como aliás, acontece em qualquer forma de trabalho digno e honesto. Não há atalhos para fama e fortuna. A estrada é longa, árdua, impiedosa e a seleção é cruel com os preguiçosos ou desmotivados. Boa sorte aos que depois deste aviso sincero ainda tentarem, e parabéns pela vitória aos que conseguirem!