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As verdadeiras origens de como a palavra otome está virando o feminino de otaku no Brasil - e apenas no Brasil!
Dando
continuidade à série de matérias sobre os problemas comportamentais e sociais
da geração mais jovem de otakus/fãs de anime (não parece, mas existe, sim, uma
diferença entre estas duas “classes”) que iniciei neste tópico, vou falar sobre o básico do básico: LINGUAGEM.
Antes de qualquer
outra mudança, os fãs/otakus precisam corrigir a si mesmos, para então serem
capazes de conversar com as pessoas “comuns” ou fora do seu gosto por mangá e
anime, de um modo que a sociedade os aceite com naturalidade. Há um provérbio
japonês que você já deve ter lido e ouvido em vários mangás/animes: “antes de mudar
o mundo, mude primeiro a si mesmo”. Grande conselho! Uma boa comunicação é a base para o
desenvolvimento de qualquer tribo desde a Idade da Pedra, e é também
algo indispensável
para nossa sobrevivência como um grupo coeso de fãs. Então, corrigir vícios de
linguagem e comportamentos entre os membros da “tribo” é a chave para os otakus evoluírem como pessoas neste mundo globalizado.
Porque,
como já disse antes e vou continuar repetindo, aqueles que não se adaptam nem
evoluem, estão condenados à extinção. É uma lei imutável da natureza.
O assunto em
questão vai gerar polêmica na certa, pois é uma palavra usada com freqüência na
“linguagem otaku”, e se espalhou violentamente entre os fãs brasileiros nos últimos 5 anos.
Por isso, e já sabendo o quanto vai gerar de discussão, vou escrever o tema
deste tópico com letras bem grandes para conseguir sua atenção:
OTOME É O FEMININO DE OTAKU?
Há um bom tempo vejo em fórums, facebook e até mesmo nalgumas revistas informativas sobre mangá/anime, textos começando
mais ou menos assim: “caros otakus & otomes...” Muitos são a favor, outros tantos contra, e até existe um grupo no Facebook chamado "Otome Não é Feminino de Otaku". Mas afinal, esta definição é correta ou não? Levando em conta tudo o que li, acompanhei e vi, respondo
que ainda é cedo para se chegar a um veredito definitivo. A explicação para eu
estar “em cima do muro” é um pouco longa e complexa, mas tentarei ser o mais
claro possível para evitar mal entendidos. E lembrem-se por favor que não desejo impor nada a ninguém - esta matéria é informativa e aberta ao debate. Sinta-se à vontade para concordar ou discordar. Vou então começar... pelo começo!
Origens
Traduzindo
direto do japonês, a palavra “otome” significa “donzela”, usado para definir as garotas entre 13 e 17 anos. Há também o termo "shoujo", que seria menina-moça, aplicável nas garotas entre 12 e 16 anos. Apesar de ser quase nula a diferença para nós ocidentais, "otome" seria um termo mais - digamos - solene. Uma tradução longa para o português de "otome" seria "mulher ingênua/pura/sonhadora, não necessariamente jovem ou adolescente". Então, como ela está quase se tornando o feminino de otaku, já que nada tem a ver com anime e mangá, exceto quando usada no título de alguma historia?
Após uma
extensa pesquisa, posso afirmar com certeza quase absoluta que a palavra “otome”
começou a se tornar popular no Brasil a partir de 2006. Uma das razões para isso
foi a tentativa inconsciente e coletiva dos otakus/fãs para neutralizarem o “veneno”
que foi espalhado pela primeira e única revista informativa de anime e mangá
escrita inteiramente pelo meu ex-sócio/amigo, o falecido José Roberto Pereira. A
revista se chamava KAMIKAZE, tinha 36 páginas e era apenas uma sucessão de deboches,
calúnias e insultos a todos os otakus/fãs brasileiros – algo bem típico da
personalidade eternamente revoltada com o mundo que meu ex-sócio/amigo
desenvolveu depois de desfazermos nossa sociedade/amizade em 1997. Entre outros insultos
e agressões verbais dentro da KAMIKAZE, nas páginas 11 a 13 há uma matéria intitulada
“Otakus”, com uma serie de "definições" altamente insultuosas e debochadas sobre as fãs de anime e manga que o Zé Roberto chama maldosamente de “otaka”. Foi com certeza a primeira vez que este apelido carregado e preconceito foi impresso numa revista. Por
isso, TALVEZ o falecido José Roberto seja o criador deste apelido desdenhoso,
pois não achei nenhuma outra revista ou site antes de abril/2006 que usasse o repulsivo
termo “otaka” para se referir às fãs femininas de anime/mangá. Mas seja meu
ex-sócio/amigo o criador de tal termo ou não, ele foi de fato quem o
popularizou, pois após a publicação o apelido “pegou”, pois até hoje em alguns
fórums e blogs o termo é usado, e sempre em forma pejorativa. Na época do
lançamento da KAMIKAZE, uma onda de furor contra ela varreu a internet principalmente
pelo Orkut, onde foram criadas algumas comunidades contra a revista por pessoas que a haviam comprado, para virtualmente e textualmente “xingar muito” (o Twitter
só seria criado nos EUA em julho de 2006). Quem mais reclamou, claro, foram as fãs de anime/mangá, que de forma alguma aceitavam serem chamadas de “otakas”
– principalmente depois de uma matéria de 3 páginas insultando-as e
humilhando-as até não poder mais! Foi a partir de então que aqui e ali pela
internet, as fãs brasileiras começaram a se denominar “otome”.
Se você
tiver estômago e coragem para ler a KAMIKAZE, o próprio autor espalhou uma versão em PDF pela internet, que disponibilizo cópia neste link. Mas esteja avisado, ela é muito insultuosa!
Caso lhe
interesse ver a reação e fúria dos leitores na época do lançamento da KAMIKAZE,
ainda existe no moribundo ORKUT uma comunidade ativa chamada “A Revista
Kamikaze é Uma Droga”, acessível através deste link.
Mas há
também um segundo componente importante para o termo “otome” ter se tornado em
alguns grupos brasileiros o feminino de otaku: sua origem no Japão.
Otome Road
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Uma das lojas na Otome Road |
Este é o apelido
de uma rua no distrito Ikebukuro em Tóquio, localizado a oeste do edifício
Sunshine 60 perto da estação de trem de Ikebukuro. Seu apelido surgiu em maio de 2004 na
revista Puff, por conta do grande agrupamento de lojas especializadas em
"Otome-kei" (animes, mangás, doujinshi e outros itens do gênero direcionados
às mulheres). Todas as lojas estão do mesmo lado da rua, perfazendo um corredor contínuo
de aproximadamente 200 metros. Outro apelido mais depreciativo que este
conjunto de lojas tem é "fujoshi Street" – literalmente “rua das
mulheres podres”, mas eu explico outro dia o “fujoshi”, porque é um assunto que
vai longe. Fica bem evidente que o autor da matéria na revista Puff não tinha a intenção de usar a palavra "otome" como o feminino de
otaku, mas apenas definir tal agrupamento de lojas como uma área para fãs-garotas.
E como estas fãs em geral têm de 13 a 17 anos elas são, obviamente, “donzelas”
(otome em japonês. Lembram?), chama-las assim fazia todo sentido. Mas seu tiro ao acaso atingiu além e mais longe do que ele
mesmo esperava...
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Entrada para a Otome Road |
Sua popularidade aumentou a partir de 2005 após o filme “Densha
Otoko” (menos de um ano antes da famigerada KAMIKAZE, notem como tudo se
conecta!), onde esta rua se popularizou como a “versão feminina”
das lojas em Akihabara, a "Meca" do otakus. Não há cosplayers
andando na Otome Road como em Akihabara, por isso é difícil distingui-la - a não ser que se tenha um
mapa da área. O termo “otome” começou a ser aplicado para as fãs que frequentam a Otome Street, e pode ser aí que a confusão no Brasil começou, pois certas
matérias em inglês usaram o termo “otome” para denominar fãs japonesas – mas claro,
se referiam às frequentadoras da “Otome Road”. Foi a partir disso que no Brasil algumas fãs começaram
a acreditar que se usava no exterior o “otome” para qualquer "otaku" do sexo
feminino, mas tal apelido só é aplicável às que perambulam pela “Otome Road”.
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Dá para imaginar a Otome Road SEM uma loja da Hello Kitty? |
Como Fica?
Então, a
pergunta permanece: otome é feminino de otaku? Respondendo de maneira estritamente
técnica, a resposta é NÃO! Mas a linguagem é algo que se adapta, muda e evolui
como qualquer espécie, então chamar as fãs femininas de “otome” TAMBÉM NÃO ESTÁ
ERRADO! Afinal, existe alguma regra ortográfica que proíba esta adaptação? E
complemento este argumento com outra pergunta: se não usarmos o termo “otome”
para as garotas que curtem anime/mangá, como vamos chamá-las: da forma assexuada
“OTAKUS” ou então – que os deuses nos livrem – de “OTAKAS”??? Aposto que você
acabou de fazer uma careta não é, cara leitora?
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E agora Kona-chan, como vamos te chamar? Otaku, Otome... ou OTAKA? |
Graças ao
estrago que meu ex-sócio/amigo causou com uma única matéria de três páginas anos atrás, é bem provável que aqui no Brasil a palavra “otome” passe a ser o
feminino de “otaku”. Porque a segunda e terceira opções disponíveis são muito deselegantes aos ouvidos para que as garotas/mulheres fãs de mangá/anime brasileiras aceitem. Estamos acompanhando
um momento importante da história do mangá/anime no Brasil, pois em breve
poderemos ter o primeiro termo exclusivamente criado aqui, adaptado às
necessidades sociais e culturais dos fãs brasileiros! Mas se o “otome” vai
pegar, é algo que veremos nos anos futuros, pois quem muda uma língua é o povo
que a fala! Logo, quem vai decidir não seremos nós, jornalistas e blogueiros da
“imprensa especializada”, mas os otakus e - creio que posso chamá-las assim - otomes! Como já foi dito em dezenas
de animes e mangás: “cada um faz o seu destino”.
Então, por
favor, façam um destino DECENTE!